terça-feira, 30 de agosto de 2011

Educação na pauta da sociedade

Entrevista



Educação na pauta da sociedade



Mozart Neves Ramos



Nas últimas décadas, a escola tem recebido novas demandas da sociedade e sofrido a influência crescente de profissionais de diversas áreas. No entanto, é preciso ter cuidado para que essa parceria realmente funcione a favor da educação. Qualquer intervenção deve ser feita de maneira organizada, sempre levando em conta o projeto político-pedagógico da escola, defende o professor Mozart Neves Ramos, da Universidade Federal de Pernambuco, membro-titular do Conselho Nacional de Educação (CNE). Em sua trajetória, ele acumula experiência como reitor da Universidade Federal de Pernambuco, além de secretário de educação de Pernambuco, presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação e presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior. Atualmente, é conselheiro do movimento Todos pela Educação, formado por membros de diversos setores, incluindo empresários, educadores e gestores públicos. Para Mozart Neves Ramos, todos devem ajudar a construir uma educação de qualidade, mas é preciso respeitar a autonomia e a proposta de cada instituição de ensino. Leia a seguir os principais trechos da entrevista concedida à Pátio Ensino Fundamental.



A escola tem recebido várias demandas da sociedade. Como isso se reflete na escola?



Hoje, por várias razões, os pais não têm tempo de acompanhar como deveriam a rotina de seus filhos e revertem para a escola a educação plena, o que é um equívoco. É por isso que a escola tem abordado cada vez mais temas muito diversos, como a educação para o trânsito. É um balaio em que cabe tudo e, na verdade, ela não consegue fazer nada. A pressão social que a escola vem recebendo reflete-se na rotina dos professores, com a responsabilidade de atuarem de maneira facetada. Os educadores mal têm tempo para dar a aula que deveriam.



Até que ponto essa demanda é bem-vinda?



É fundamental o envolvimento da sociedade no sentido de fortalecer a autonomia da escola, mas é preciso cuidado para que não se fragmente essa autonomia pelas demandas das quais a escola deveria dar conta. No meu contato com os professores pelo Brasil, vejo que muitos sofrem de uma síndrome de falta de confiança. Sinto que, muitas vezes, eles procuram em médicos e filósofos um jeito de se segurar no saber desses profissionais, porque não confiam mais nos próprios conhecimentos.



Como está a autoestima do professor?



Nos últimos nos anos, o professor vem gradualmente perdendo a confiança, a autoestima, a valorização que ele deveria ter perante a sociedade. A consequência imediata disso não é apenas o enfraquecimento do profissional, mas principalmente a falta de interesse que existia no passado por parte de um grande número de jovens em seguir essa carreira. Hoje, somente 2% dos que concluem o ensino médio querem ser professores; para estes, a justificativa em relação a tal escolha relaciona-se com a estabilidade no emprego. Em países que estão no topo dos resultados das avaliações internacionais, como Finlândia e Singapura, a educação consegue atrair os jovens mais talentosos e bem-preparados do ensino médio para a profissão. Esses candidatos chegam fortalecidos como profissionais à escola. Isso tem a ver com a formação, com a valorização perante a sociedade, o que transmite a confiança necessária para desenvolver suas atividades.

A presença de outros profissionais na escola, como médicos, psicólogos e economistas, pode ser positiva em algum aspecto?

Acredito que sim, se isso for feito de maneira organizada, sempre levando em conta o projeto-político pedagógico da escola. Se não for assim, é preciso entender que o que está sendo construído na escola é um mercado livre, onde cabe tudo e, daqui a pouco, o que era essencial - ou seja, o processo de ensino e aprendizagem - ficará negligenciado. É muito importante que tudo o que seja feito na escola ajude a fortalecer a autonomia da instituição, com rebatimento direto na relação ensino-aprendizagem, no fortalecimento da figura do professor, para que ele se sinta preparado para ensinar e também para aprender, e na escola devidamente preparada para gerir toda a situação que se coloca de uma nova sociedade. Esses profissionais têm de entender que sua atividade é complementar.



O apelo econômico tem mais peso na hora de cobrar educação de qualidade?

No Brasil, um ano de escolaridade impacta, em média, em 15% na renda de uma pessoa. Porém, se ela tem graduação completa e faz o primeiro ano de pós-graduação, o impacto é de 47%. Se ela tem somente as séries iniciais, o impacto é de somente 6%. Mesmo sem a qualidade desejada, apenas o tempo de escolaridade e o fato de caminhar ao longo de todo o ciclo - da educação básica ao ensino superior - revela um impacto enorme na renda das pessoas e, de certa forma, o crescimento está alinhado à qualidade da educação.

Em que medida o envolvimento da sociedade contribui para a melhoria da educação no país?



A Coréia do Sul, por exemplo, fez uma mudança que hoje a coloca nas primeiras posições do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa). Os sul-coreanos entenderam que, se não houvesse qualidade para todos, eles não conseguiriam desenvolver-se sustentavelmente. A reforma partiu da educação básica, e o país agora se destaca no cenário mundial. Eles formaram bons professores e atraíram os estudantes mais talentosos. Como consequência disso, aumentou o número de jovens com capacidade de ingressar no ensino superior. O desenvolvimento das ciências da tecnologia causou forte inovação e é fonte de grande renda por lá. O investimento anual em educação básica é de aproximadamente US$6 mil por aluno/ano. Apenas como comparação, esse valor é o mesmo nos países da Comunidade Europeia. Já os Estados Unidos empregam US$9 mil por aluno/ano. Apesar dos avanços ocorridos do Brasil nos últimos três anos, esse investimento aqui é de US$1,8 mil, número abaixo do que investem a Argentina e o México, que gira em torno de US$2,2 mil por aluno/ano.



Qual é o papel de cada um nesse processo?

É preciso que todos tenham consciência do próprio fazer. Partindo do ponto de que lugar de criança é na escola, pais e responsáveis contribuem não deixando seus filhos em casa. É fundamental levá-los à escola, acompanhar seu desenvolvimento escolar, verificar suas dificuldades, verificar o que o professor determina como tarefa de casa, etc. Cada um tem sua parte nesse processo, que se complementa com a parte do outro. Sem dúvida, é uma tarefa bastante árdua! Os países que se comprometeram com essa meta conseguiram transformar sua realidade em 25 anos.



Como o movimento Todos pela Educação está contribuindo para melhorar a educação no Brasil?

O movimento sensibiliza os pais, as famílias, a mídia e as lideranças sociopolíticas contribuindo para o engajamento e compromisso com o processo de melhorar a educação. Estamos trabalhando com as expectativas de aprendizagem para cada etapa do ensino. Queremos que se estabeleça o que a criança precisa saber ao fim de cada ano. Se deixarmos isso claro para os pais, eles saberão cobrar da escola.

O Todos pela Educação tem atuado em prol da valorização do professor?



O papel principal desse movimento é mobilizar a sociedade e mostrar a importância do professor através de campanhas, por exemplo. Há um trabalho que atualmente está além dessa questão: a criança só aprende se tiver um professor de qualidade. Então, se lutamos pela qualidade da aprendizagem, pressupomos que o professor seja valorizado. Se há aprendizado, é porque ele foi bem-preparado, está motivado. Porém, não podemos ficar só nisso. Oferecer bons salários e ótimos planos de carreira também representa uma iniciativa fundamental. Estudos revelam que existe uma relação direta entre aprendizagem, desempenho e preparo do professor. Portanto, de nada adianta ter um laboratório de última geração, limpo, organizado, com internet banda larga, se o professor não tiver boa formação. Os países que estão no topo atrelam a formação inicial à sala de aula. Aqui, lamentavelmente, ela está totalmente desconectada, pois não responde aos desafios da escola pública e não está na agenda de prioridade das universidades.


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